Emendas Parlamentares no Brasil: Funcionamento e o Conflito Institucional Atual.

As emendas parlamentares são peças centrais no cenário político brasileiro, com o objetivo original de proporcionar aos parlamentares um meio de incluir demandas regionais no orçamento federal. Contudo, nos últimos anos, a alocação de recursos orçamentários via emendas tornou-se um ponto de atrito entre Executivo, Legislativo e Judiciário. Esta disputa se intensificou com as mudanças trazidas pelas Emendas Constitucionais nº 86 de 2015 e nº 100 de 2019, que tornaram parte do orçamento impositivo, ou seja, de execução obrigatória.

Neste contexto, a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) tem sido significativa, principalmente ao determinar a extinção do chamado “orçamento secreto” e, recentemente, ao suspender parte da execução das emendas impositivas por falta de transparência. Este artigo detalha a evolução das emendas parlamentares, analisando as mudanças normativas e o atual cenário político-jurídico, abordando como o Legislativo e o Judiciário têm buscado equilibrar controle e autonomia nesse processo.

2. O que são as Emendas Parlamentares?

As emendas parlamentares são instrumentos legislativos utilizados por deputados e senadores para incluir ou alterar destinações específicas de recursos no orçamento anual da União. Com a apresentação dessas emendas, os parlamentares podem alocar recursos para estados e municípios, atendendo demandas regionais e fortalecendo suas bases eleitorais.

Esse modelo possibilita que cada parlamentar apresente propostas para direcionar o orçamento em áreas como saúde, educação, segurança pública e infraestrutura. Durante a tramitação do Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA), o Legislativo pode alterar ou incluir itens específicos, influenciando diretamente como e onde os recursos públicos serão aplicados.

2.1. Tipos de Emendas Parlamentares e Suas Especificidades

As emendas parlamentares dividem-se em categorias, cada uma com regras, finalidades e efeitos diferentes na alocação de recursos:

a) Individuais – Transferências com Finalidade Definida: Propostas individualmente por cada parlamentar, vinculam os recursos a projetos específicos. Nesse modelo, os recursos devem, obrigatoriamente, atender a áreas de competência da União e especificar o uso dos valores, que incluem áreas de grande demanda social, como saúde, educação e infraestrutura.

b) Individuais – Transferências Especiais (Emendas Pix): Conhecidas informalmente como “emendas Pix”, foram criadas para simplificar o repasse de recursos diretamente aos estados e municípios, sem a necessidade de convênios. Elas conferem maior autonomia aos gestores locais para utilizarem os recursos de acordo com as demandas regionais, desde que respeitem os limites e finalidades estabelecidas.

c) Emendas de Bancada: Apresentadas por bancadas estaduais no Congresso, têm execução obrigatória e destinam-se a projetos de interesse comum da bancada, geralmente focados em demandas regionais de maior impacto.

d) Emendas de Comissão: Propostas por comissões permanentes do Congresso, destinam-se a áreas específicas e ganharam relevância com a extinção das emendas de relator, atuando como uma alternativa para alocar recursos a setores prioritários.

e) Emendas de Relator (RP9): Abolidas pelo STF em 2022, as RP9 permitiam ao relator do orçamento destinar recursos sem detalhamento público dos parlamentares que os indicavam. A falta de transparência e de critérios objetivos fez com que essas emendas fossem apelidadas de “orçamento secreto”, sendo amplamente criticadas pela ausência de identificação dos responsáveis pela alocação e pelo uso dos recursos como moeda de troca.

3. A Expansão das Emendas Parlamentares e o Orçamento Impositivo

3.1 Primeiras Reformas e a Institucionalização das Emendas Impositivas (2015-2019)

Até 2015, o orçamento brasileiro era majoritariamente autorizativo, o que significava que o Executivo poderia escolher quais emendas executar. A Emenda Constitucional nº 86 alterou essa dinâmica, tornando obrigatória a execução das emendas parlamentares individuais até o limite de 1,2% da Receita Corrente Líquida (RCL), garantindo maior controle dos parlamentares sobre parte do orçamento.

Esse modelo de emendas impositivas buscou tornar o orçamento mais previsível e atender de forma mais efetiva as necessidades locais. Contudo, apenas uma fração do orçamento se tornou obrigatória, mantendo o restante sob a discricionariedade do Executivo. Em 2019, a Emenda Constitucional nº 100 ampliou essa obrigatoriedade para as emendas de bancada estadual, assegurando que 1% da RCL também fosse destinado a essas emendas, o que reforçou o papel do Congresso na distribuição de recursos.

3.2 O Surgimento do “Orçamento Secreto” e o Fim das Emendas de Relator (2020-2022)

Entre 2020 e 2022, as emendas de relator (RP9) foram alvo de controvérsias. Sem a identificação dos parlamentares beneficiados, a distribuição de grandes somas através dessas emendas sem transparência foi vista como um mecanismo de troca de favores políticos, uma vez que o relator do orçamento detinha significativa autonomia sobre a destinação dos recursos.

Essa prática foi alvo de críticas e ações judiciais, resultando na decisão do STF, em 2022, que declarou inconstitucional o “orçamento secreto”, exigindo maior transparência nas emendas parlamentares. Desde então, o Congresso busca alternativas para garantir a autonomia dos parlamentares na destinação de recursos, especialmente por meio das emendas de comissão, que hoje servem como mecanismo para alocar verbas sem depender das RP9.

4. A Decisão do STF e a Suspensão das Emendas Impositivas (2023-2024)

A decisão do STF sobre as emendas parlamentares foi além da extinção do orçamento secreto. Em agosto de 2024, o ministro Flávio Dino suspendeu temporariamente a execução das emendas parlamentares impositivas, exigindo que fossem seguidos critérios de transparência e rastreamento para o uso dos recursos. Essa decisão restringiu a aplicação das emendas, exceto para projetos já em andamento e em situações de calamidade pública.

Essa suspensão gerou um novo capítulo na tensão entre Legislativo e Judiciário, destacando a necessidade de regulamentação das emendas de forma transparente. Por outro lado, os parlamentares reagiram rapidamente, defendendo a autonomia do Congresso e propondo mecanismos que pudessem limitar as intervenções do STF em decisões orçamentárias.

4.1 O Pacote Anti-STF e a PEC 28/2024

Em resposta à decisão do STF, o Congresso Nacional articulou o que foi chamado de “pacote anti-STF”. A PEC 28/2024, uma das principais propostas, prevê que o Congresso possa suspender decisões do STF que, na avaliação dos parlamentares, extrapolem suas funções constitucionais. Para sustar uma decisão, seria necessária a aprovação de dois terços dos votos de cada Casa Legislativa, e o STF só poderia restabelecê-la com quatro quintos dos votos de seus ministros.

A PEC gerou intensas reações: enquanto alguns defendem que a medida visa reequilibrar a atuação dos poderes, críticos da proposta apontam que ela representa um risco para a independência do Judiciário, comprometendo o papel do STF como guardião da Constituição.

5. Propostas para a Transparência e Moralização das Emendas Parlamentares

Com a suspensão das emendas e a extinção das RP9, surgiram novas propostas de regulamentação e moralização das emendas parlamentares. Projetos de Lei Complementares, como os PLPs 161/2024 e 162/2024, foram propostos pelo Partido Novo, estabelecendo critérios técnicos e objetivos para a execução das emendas, incluindo requisitos como licenças ambientais e planos detalhados de trabalho.

Além disso, o senador Ângelo Coronel (PSD-BA) sugeriu uma proposta de projeto de lei que destinaria parte das emendas à saúde pública, buscando direcionar recursos a uma área reconhecidamente carente de investimento. Essas medidas representam um esforço legislativo para garantir que as emendas cumpram seu papel social de forma responsável e transparente, respondendo à sociedade de forma direta.

6. Acompanhamento e Monitoramento das Emendas no Portal da Transparência

Como parte do compromisso com a transparência, a Controladoria-Geral da União (CGU) lançou melhorias no Portal da Transparência. Esse recurso permite aos cidadãos um acompanhamento detalhado das emendas parlamentares, promovendo o controle social sobre a execução do orçamento federal.

Passo a Passo para Acompanhar as Emendas Parlamentares:

  1. Acesse o site: http://www.portaldatransparencia.gov.br
  2. Selecione a seção “Emenda Parlamentar” e clique em “Consulta”.
  3. Utilize os filtros disponíveis, como ano, tipo de emenda e parlamentar responsável.
  4. Visualize os dados sobre o andamento e a execução dos projetos beneficiados.

Com essas informações, o Portal da Transparência consolida-se como uma ferramenta de gestão participativa, que permite que a sociedade fiscalize a aplicação dos recursos públicos, garantindo uma execução mais alinhada aos princípios de transparência e moralidade.

7. Distribuição das Emendas em 2024

No orçamento de 2024, as emendas parlamentares totalizam R$ 44,67 bilhões, sendo distribuídas da seguinte forma:

Esse volume de recursos destaca a priorização de áreas essenciais, como saúde e infraestrutura, demonstrando a relevância das emendas parlamentares no atendimento de demandas regionais e setoriais.

8. Análise Jurídica e Constitucional

A questão jurídica das emendas parlamentares passa pelo equilíbrio entre os direitos do Legislativo e os deveres do Executivo na execução do orçamento, com o STF atuando como regulador para garantir que esses direitos não violem princípios constitucionais, como transparência e moralidade. Embora o Congresso reivindique autonomia na distribuição dos recursos, o Judiciário mantém-se firme em exigir conformidade com as normas constitucionais.

Essa dinâmica evidencia o conflito entre a autonomia do Legislativo e o papel do STF na preservação da legalidade, destacando a importância do orçamento impositivo como instrumento de controle social e a complexa interação entre poderes no Brasil.

9. Conclusão

A evolução das emendas parlamentares no Brasil reflete o esforço constante para tornar o orçamento mais inclusivo, transparente e representativo. Contudo, o uso dessas emendas como moeda de troca política e a recente suspensão de suas execuções revelam os desafios para estabelecer um modelo orçamentário que atenda tanto às demandas regionais quanto às exigências constitucionais. A busca por um equilíbrio entre a autonomia parlamentar e o controle judicial sobre os recursos públicos é um aspecto fundamental para a preservação da integridade institucional e a manutenção do interesse público.

 

Gabriel Carmona – OAB/SP 521.021

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